quarta-feira, 18 de abril de 2012

Suplemento Literário - Jornal do Gauss 3


Conto de Incertezas
(T. Castilho – Cursou Gauss em 2003 e 2004 e é formado em Letras pela USP)

Há muito que não a vejo. Durante muito tempo andamos de mãos dadas na estrada do futuro. Porém, nas últimas vezes se tornou irreconhecivelmente mais coerente. Por todo nosso relacionamento, trocáramos confidências. Superficialidades. Todas elas. Mas isso justificaria uma mudança tão inesperada? Sua companheira inseparável já tinha adquirido um ar imperial. Pode ter sido isso. Outra amizade mais sincera a poderia ter conquistado e coagido?
Muitas vezes acabamos acumulando forças que nos derrubam e nos afundam ainda mais. Não nos salvam do desconhecido. Mas nesse caso, tenho que reconhecer que foi surpreendente. Ela saboreava apaixonadamente os passos da incerteza e sua sinfonia silenciosa. Começo a me lembrar de que certa vez, olhando para o nada, perguntou se tudo era suficientemente grande para suprir seu significado como oposto. Qual seria maior? Um brilho irreconhecível caminhou na superfície de seus olhos. Curioso... Terá sido aí o começo de tudo? Não sei... Mas a dúvida é suficiente para preencher a solidão, o vazio da existência. Não seria isso fé? O improvável pode ser respondido com nossos erros. Combinamos que essa seria nossa herança mútua e perpétua. Erros tão complexos e belos. Nossos. Talvez não tenha recordado de levá-los no momento da partida. Provavelmente eles não serviriam para nada e permaneceria a insônia da vida. Isso, ela me disse muitas vezes. Na verdade desde nosso primeiro encontro.
Engraçado... Primeiro encontro... O mundo já tinha acabado e todos viviam felizes, menos nós. Por quê?  Verdade que essa pergunta nunca lhe fez muito sentido, mas me presenteava sempre, nesses momentos, com um sorriso sarcástico e bonito. Me esqueci dele por muito tempo, agora, contudo, parece ter pertencido a outra pessoa. Uma pessoa muito diferente das que existiam.  Intrigante esse seu sorriso. Leve, líquido e incompleto diante de nossas insignificâncias.
Esforço-me; porém não consigo pronunciar mais o seu nome e o da sua companheira inseparável. Defesa inconsciente; apagaram-se completamente da minha memória. Não controlamos completamente o que somos. Estamos condenados a nos desfazer lentamente da nossa ligação com a história.  Mas qual a importância disso? Não tem muita relevância agora... Na verdade, tudo.  Diversas vezes decompomos seus nomes com lágrimas e vimos que escondiam o Sol com sua cor infinita. Lágrimas de cor infinita que impregnaram os meus olhos e vejo, desde então, como são diferentes as coisas, mesmo parecendo insuportavelmente iguais para ela.
Foi embora preencher o absurdo.
Não entendo... Sempre riu na cara de utopias irrealizáveis, mesmo que elas lhe atormentassem em pesadelos horríveis. Dizia que o fim permanente e inevitável era o presente divino que caoticamente percorria por entre os dedos do Universo. Terá ela matado Deus e suas possibilidades? Não sei, sinceramente...
Apenas pergunto o porquê, me escondo e me reconforto na noite interminável.

Manual para amantes
(Daniela Lima – Profa. de Literatura e graduanda em Letras na USP)

Mãos. Mãos que um dia se conheceram através de sutil encontro enlaçado não poderiam imaginar qual seria o destino reservado a elas. A delicadeza entre ambas passou a ser cada dia mais intensa, calorosa, cheia de mistérios e promessas de algo desconhecido, porém desejado por ambas. As mãos se acariciam com ternura e discretamente ousam sentir-se com mais intensidade, como se invadissem uma à outra e mutuamente descobrissem segredos trancafiados por uma eternidade.
                Agora, longe de qualquer pudor, rendem-se e deixam-se envolver por um súbito aperto quente e envolvente. Se roçam, se espremem, se enroscam, se sentem, estremecem e se deixam levar por aquele momento mágico em que o mundo parece parar, silenciar com a finalidade de ouvir a palpitação do sangue correndo nas veias dos dedos e sentir o calor emanado daquele encontro. Se entregam completamente.
            Passado todo o fervor repousam uma sobre a outra e permanecem assim, enlaçadas, mãos dadas sobre uma colcha quente e macia, como o pôr do sol no horizonte das colinas de um campo fértil e primaveril, que se deleita com a fecunda estação.

Dezessete
(Fabiano Santiago – Da turma Gauss-2012)

Foi um dia normal – apesar de alguns parabéns e alguns abraços ocasionais, nada mudou. Desde a hora em que acordei até momentos antes de fechar os meus olhos sentia que nada havia mudado; e porque deveria? Sou um ano mais velho em um mundo com bilhões de pessoas como eu, e tenho certeza que algumas compartilham meu dia de nascimento – não acho justo me sentir especial por acordar em um dia comum e lembrar que naquele dia eu deixei de viver no útero da minha mãe e respirei pela primeira vez o mesmo ar que respiro hoje. Comemorarei conquistas, não passagens; não me esforço para fazer aniversários, eles simplesmente chegam, me enchem de abraços e desejos felizes e vão embora – na semana seguinte é como se nada tivesse acontecido. Foi um dia normal, agradável e tão belo quanto todos os outros, mas momentos antes de fechar os olhos eu vi o céu mais estrelado que nunca; foi lindo, foi calmo, foi silencioso, foi simples... Um céu estrelado e uma noite fria, o melhor presente que jamais cheguei a pedir.

Ink no país da criatividade
Resenha de filmes: Alice no país das maravilhas (Tim Burton) x Ink (Jamin Winans)
(Sérgio Tück – Professor de Artes)

Na época do lançamento da nova versão de Alice, as salas de cinema lotaram. Pois é... tanto alarde para o que já prevíamos: nada de mais. Alice no País das Maravilhas de Tim Burton é um exemplo de como não se fazer um filme. Novamente o cinema se encheu para assistirmos a uma história contada de um modo sonso e sem a mínima graça, tendo que sobreviver da atuação de um chapeleiro (que nem é um personagem expressivo de fato, mas que acaba tendo que carregar o filme nas costas) e de um coelho atirador de xícaras. Alice foi parar no país das chatices com uma atuação péssima, seguindo o mesmo nível do roteiro, que parece ter sido feito em cima daquelas fichas de cinema que se baixam na internet, nas quais você preenche argumento, início, meio, clímax e fim. A desculpa é que é um filme para criança? Coitadas delas!
Vamos então falar do que vale a pena. Ink! Não é soluço... é o nome do filme dirigido e escrito por Jamin Winans, repleto de atores nada conhecidos, porém, que tornam a história ainda mais bacana. A criatividade começa na escolha do tema da história, que antes de tudo é contada sem a utilização do método linear hollywoodiano (a tal ficha de roteiro que se baixa na internet), e que se baseia em um mundo paralelo ao nosso, onde Sonhos e Pesadelos vivem um embate na disputa pelas almas que encontram na travessia.



O modo de se contar a história é que torna o filme totalmente diferente de outros. As cenas são muitas vezes desconexas e com edições perturbadoras, que fazem com que nossos olhos não pisquem com medo de perder alguma coisa. Todos os acontecimentos possuem um jogo de cores, fotografia e iluminação que me lembram o primeiro (e único bom) filme de Matrix; isso faz com que o telespectador transite entre as inúmeras realidades paralelas que existem em um mesmo momento. Tudo isso ajuda com muito êxito a trazer fantasia e realidade para uma mesma história, sem depender de artifícios visuais apenas, e valoriza ainda por cima a atuação de vários atores, com destaque aos das personagens de John, Emma, Ink e Explorer.
Ink não tem a fama, o glamour, os efeitos, o Depp e o dinheiro de Alice no País das Maravilhas, mas tem o que mais faltou neste filme pífio e ruim de Tim Burton: uma história que une fantasia e realidade sem iludir o espectador com 3D, animação disney e com dança maluca na tentativa de esconder o roteiro manjado de uma história já conhecida e cheia de clichês. Apenas para concluir, Ink não é para crianças apenas, mas sim para qualquer espectador que goste de um bom filme.

Literatura infantil contra o lobo da ditadura
Resenha de livro: Chapeuzinho Amarelo (Chico Buarque)
(Carina de Luca – Professora de Produção e Interpretação de Textos)

Este é um dos melhores livros de literatura infantil brasileiros. Criança não tem de viver enclausurada em um mundo de fantasias, alheia à realidade que a circunda. Chapeuzinho Amarelo prova esta ideia ao inserir no campo da literatura infantil um tema tão complexo e delicado quanto a ditadura.

Chapeuzinho Amarelo é uma menina que vive amarela de medo – não sai de casa, não vai à esquina, não tem voz. A alusão à repressão se constrói aos poucos, conforme vemos a protagonista ir tomando coragem para enfrentar o terrível lobo que a apavora.

Tudo é bem encaixado na obra. Ainda que crianças (e mesmo adultos) não percebam a intertextualidade política, a história narrada tem muito a ensinar, sem ser, contudo, politicamente correta ou moralizante.




Chico Buarque nos ensina a questionar nossos medos: afinal, visto de perto, o Lobo não passa de um bolo fofo. O traço de Ziraldo só torna o conjunto ainda mais interessante, conseguindo melhorar uma obra que já é em si só perfeita.

“E de todos os medos que tinha
O medo mais que medonho era o medo do tal do LOBO.
Um LOBO que nunca se via,
que morava lá pra longe,
do outro lado da montanha,
num buraco da Alemanha,
cheio de teia de aranha,
numa terra tão estranha,
que vai ver que o tal do LOBO
nem existia.
Mesmo assim a Chapeuzinho
tinha cada vez mais medo do medo do medo
do medo de um dia encontrar um LOBO.
Um LOBO que não existia.”



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